Sobre ser bela, recatada, do lar e de onde quisermos



Bela, recatada e do lar. Por que essas palavrinhas geraram tanta polêmica?




Em meio ao turbilhão da política brasileira, a revista Veja decidiu lançar uma edição comemorativa da votação da Câmara sobre o impeachment da presidente Dilma. Entre as matérias, um "perfil" sobre Marcela Temer, esposa do vice-presidente Michel Temer, descrita como nossa "quase primeira-dama".

"A quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter mais um filho com o vice".

Em poucas linhas, a revista traça um perfil daquilo que acredita ser a mulher ideal, em paralelo a fortalecer a imagem de Michel Temer como um candidato perfeito para salvar o País. Afinal, quem melhor para "salvar" o Brasil do que um homem branco, rico, estudado e casado com uma jovem loira, linda, bela, recatada e do lar? Em um embate contra uma mulher no poder, com a imagem vendida de forte, geniosa, guerrilheira, quem melhor para combater do que um homem dentro dos padrões da sociedade, com uma bela primeira-dama a sua sombra? Afinal, quem sabe sobre a história de Dilma? É casada? Namora? Cadê a sua família tradicional brasileira?


Por que tudo isso é perturbador?

Estamos em uma época em que se discute muito o feminismo e o empoderamento das mulheres. Queimamos os sutiãs, conseguimos entrar no mercado de trabalho, mas e agora? O que fazer? A mulher busca seu espaço na sociedade e o homem aprende a lidar com esse novo ser, que sempre foi educado a achar que não conseguia fazer nada além de cuidar da casa. E olha que cuidar da casa é uma das coisas mais difíceis que já inventaram! O homem e a mulher dessa década aprenderam e começam a colocar em prática a ideia da distinção de gêneros, a divisão de tarefas e a equiparação de direitos e deveres. Não, isso não significa que homem virou mulher e mulher virou homem. Significa que a sociedade está acordando e percebendo que não fomos biologicamente designados a cumprir nenhum papel cultural. Homens e mulheres são diferentes biologicamente, mas seus papéis na sociedade são definidos por aqueles que fazem parte dela. Homens e mulheres têm habilidades suficientes para cuidar de uma casa, exercer diversas funções no mercado de trabalho e lidar com relacionamentos interpessoais. O fato de ser mulher ou homem não interfere na capacidade de se passar uma roupa ou fazer uma janta. Não interfere na capacidade de liderar uma equipe ou fazer um texto. Quem cumpre essas funções são seres humanos e não aquilo que temos no meio das pernas.


Uma revista de circulação nacional definir em um texto que a mulher ideal é aquela recatada, que se veste de forma discreta, estudou o suficiente - mas prefere cuidar da casa - e seu grande sonho na vida é ter filhos, faz com que anos de feminismo sejam jogados fora. Não, não é errado querer cuidar da casa. A questão do feminismo é defender que cada mulher pode ser aquilo que ela quer: seja dona de casa, seja dona de empresa ou dona do mundo. Assim como o homem. Não existe mulher ideal, não existe padrão. Somos seres humanos, que se comportam de forma diferente em seus núcleos, e definir um padrão para o comportamento de todos, como o feito pela revista Veja, é limitar demais uma sociedade moderna. Porque não basta a delimitação do papel de Marcela Temer. Ainda precisou taxar o vice-presidente Michel Temer como um "homem de sorte" por "possuir" uma mulher assim. Como se fosse um simples troféu, para ser deixado em sua prateleira e mostrado para amigos na hora de se vangloriar.

Direitos e deveres iguais, sem rótulos, sem idealizações, sem limitações. Sem preconceitos. Limitar a mulher à sombra do homem é retrógrado, machista e antiquado. Definir um modelo de mulher como o ideal e para montar um cenário político perfeito é diminuir o valor de todas nós na sociedade. Somos além das definições dadas pela revista. A própria Marcela é além de um perfil comentado pelo cabeleireiro. É preciso colocar a mulher no holofote, ouvir aquilo que ela pensa, dar voz às mulheres. Afinal, alguém lembrou de ouvir a Marcela? A questão nunca foi a quase-primeira-dama. Foi o machismo impresso em poucas linhas.


Porque somos todas belas, recatas, do lar, do bar, do mar e de onde mais quisermos, pois ninguém pode nos limitar. 



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